Por Rosa Pavanelli
* Este artigo foi publicado originalmente no The Guardian
Acabar com a sonegação fiscal empresarial para financiar os serviços públicos é tanto necessário quanto popular. As elites globais se beneficiam do mito de que não se pode arcar com serviços públicos de qualidade, enquanto se empenham em manter a verdade sobre a elisão e a evasão fiscais longe do público. Cabe a nós questionar isso.
Mundo afora, clamamos por relatórios públicos separados por país para aumentar a transparência fiscal, pela proteção para denunciantes que expõem abusos, pelo estabelecimento de um organismo tributário da ONU para definir padrões tributários globais e monitorar fluxos escusos de capital, e por uma alíquota mínima de imposto para pessoas jurídicas como forma de parar a corrida para o fundo do poço.
No Reino Unido, por décadas, foi dito que simplesmente não havia dinheiro suficiente disponível para custear adequadamente os serviços públicos. Viu-se privatização, cortes na educação, saúde e moradia pública, a introdução do pagamento pelo usuário e, em seguida, uma majoração crescente das tarifas dos serviços. E viu-se congelamentos salariais do pessoal essencial da linha de frente.
Mas recentemente também se viu uma onda de histórias diferentes – os LuxLeaks, os vazamentos das contas do HSBC, os Panamá Papers – que pintam um quadro muito distinto sobre essa suposta seca de dinheiro.
O montante total em paraísos fiscais offshore é estimado em mais de US$ 20 trilhões. O economista Jeffrey Sachs calculou que o custo total de acabar com a pobreza extrema no mundo seria uma fração desse montante – cerca de US$ 3,5 trilhões.
A desajeitada tentativa da primeira-ministra do Reino Unido Theresa May de argumentar que não há uma árvore mágica de dinheiro ilustrou quão confiantes as elites estão de que esse paradoxo não será enfrentado.
Até recentemente, mesmo líderes políticos progressistas internalizavam o pensamento de que a reforma tributária para financiar os serviços públicos é econômica e politicamente indefensável.
Mas as pessoas estão se dando conta da enorme fraude que lhes estão infligindo. Como a enfermeira que questionou May. Mas poderia ter sido um bombeiro perguntando sobre o corte de 10 mil empregos na brigada de incêndio. Ou qualquer pensionista. Ou um inquilino de moradia pública.
Estas pessoas veem que os lucros das empresas dispararam desde que os governos salvaram os bancos – mas continua-se não financiando a contento escolas, saúde, moradia ou infraestrutura. Às vezes, com trágicas e desastrosas consequências.
É difícil acreditar que nossos líderes não compreendam o problema. O que parece mais provável é que não querem agir.
A mera exposição daqueles que se beneficiam dessas obscenidades já fomentou esse tipo de revolta pública: temos que fazer isso mais.
Os recentes vazamentos de dados expõem as conexões entre os abastados, os políticos nos níveis mais altos e a elisão fiscal global. Um único vazamento, de uma empresa do Panamá, implicou cinco chefes de estado cumprindo mandato, dois ex-chefes de estado, quatro ex-primeiros-ministros e 61 parentes e conhecidos de primeiros-ministros, reis e presidentes, incluindo os da China, do Reino Unido, da Austrália, da Malásia e do México – dentre eles, o pai de David Cameron. Posteriormente, Amber Rudd foi mencionado nos Bahamas Leaks.
O maior apoio conseguido pelo Partido Trabalhista depois que este colocou a reforma tributária no centro de seu programa, ou Bernie Sanders nos Estados Unidos, mostra que não só essas políticas são essenciais, como também politicamente populares.
Precisamos apoiar políticos e partidos com posição formada em relação à elisão fiscal. Porque se não conseguirmos apresentar alternativas corajosas para solucionar a desigualdade e assegurar acesso universal aos serviços públicos, corremos o risco de ceder terreno às falsas promessas e ao pânico disseminado pela extrema direita.
Assegurar que empresas globais muito ricas paguem seu justo quinhão sempre foi a melhor maneira de financiar serviços públicos de qualidade. Mas nossos políticos precisam entender que isso também poderá elegê-los.
Rosa Pavanelli é secretária-geral da Internacional de Serviços Públicos e presidente do Conselho dos Sindicatos Globais.