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A despeito disso, a ONU e muitos governos ainda parecem convencidos de que precisamos de Parcerias Público-Privadas (PPPs) e de financiamento privado para alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs). Mesmo com evidências de que a crise da privatização esteja aumentando, eles continuam enganados pelas falsas promessas das PPPs.
Basta olharmos para o colapso de muitas privatizações no Reino Unido. Até mesmo o seu secretário do Meio Ambiente, o conservador Michael Gove, tem atacado o comportamento dos serviços de água privatizados. Recentemente, Gove destacou como o altíssimo preço das tarifas, as manipulações financeiras e a evasão fiscal são endêmicas; os dividendos dos acionistas engolem a maioria dos lucros; e os CEOs pagam a si mesmos salários exorbitantes. E isso vindo do partido de Margaret Thatcher.
Um relatório recente publicado pela Internacional dos Serviços Públicos (ISP) e pelo Instituto Transnacional mostra que, desde 2000, houve pelo menos 235 casos de remunicipalização da água em 37 países, afetando mais de 100 milhões de pessoas.
No Brasil, há o caso de Itu, no interior do Estado de São Paulo, onde ocorreu a remunicipalização do serviço de água e saneamento após oito anos de gestão privada (2007-2015), que causou o maior racionamento e um levante popular sem precedentes na história da cidade.
Apesar desse exemplo, o Brasil caminha na contramão do resto do mundo. A privatização do serviço de água, sob o formato de concessão ou PPP, e a autorização de captação desse bem em larga escala por grandes empresas, têm sido comuns em todo o país. Em muitos lugares, tais práticas têm causado revoltas populares, como em Correntina, no oeste da Bahia.
Talvez não à toa acontece neste momento em Brasília o Fórum Mundial da Água, organizado pelo Governo Federal e pelo Conselho Mundial da Água, organização vinculada a grandes empresas privadas de todo o mundo. O próprio Fórum é patrocinado por corporações como Coca-Cola, Nestlé e Ambev.
Como contraponto ao “Fórum das Corporações”, acontece paralelamente, também em Brasília, o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), promovido por organizações sociais, ambientalistas e sindicais de todo o mundo e que defende o acesso a água como um direito humano. Nesse sentido, a retomada do controle público sobre esse bem é fundamental.
Mas, o que está levando a essa tendência mundial de remunicipalização?
As motivações para acabar com a privatização no setor de água incluem economia de custos, melhor qualidade do serviço, transparência financeira e a recuperação tanto da capacidade operacional quanto do controle social. Os objetivos ambientais, como o aceleramento do desenvolvimento renovável ou a redução do desperdício, são outros fatores principais. E, é claro, o fornecimento de tarifas sociais para famílias de baixa renda (já que muitas dessas não podem pagar as altas contas de água e luz) é outra razão-chave.
Além disso, há evidências empíricas crescentes de que a remunicipalização em todo o setor público faz sentido econômico. O término das PPPs no transporte em Londres resultou em uma redução de custos de 1 bilhão de libras, principalmente por meio da eliminação de dividendos e honorários advocatícios. No Canadá, depois que o governo decidiu construir quatro novas escolas por meio de provisão pública – e não através de PPPs –, as economias com isso foram suficientes para construir mais uma nova quinta escola.
No entanto, a infeliz realidade é que mais de 1 bilhão de pessoas permanecem sem acesso à água potável. Em 2015, a ONU endossou o acesso universal à água até 2030 como um dos seus Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Como podemos garantir que nossos operadores públicos de água possam atingir essa meta?
Precisamos exigir um sistema fiscal global mais justo, para que possamos investir em infraestrutura essencial, como as modernas empresas de serviços de água. O fracasso em fazê-lo pode levar a consequências devastadoras, como no caso de Flint, em Michigan, em que o corte de custos aliado a um forte corte nos impostos das empresas levou ao envenenamento de milhares de pessoas (principalmente pobres). Outro passo fundamental é remover os serviços públicos dos acordos comerciais, que muitas vezes penalizam os governos por atuarem em nome do interesse público. Finalmente, as Parcerias Público-Públicas entre os serviços públicos de água podem ajudar a compartilhar as melhores práticas e recursos.
A mudança da maré no debate sobre a privatização é uma notícia mais do que bem-vinda para os trabalhadores do serviço público, para os sindicatos e para o público em geral. Precisamos, agora, convencer os nossos líderes globais a seguirem a onda.
No Dia Mundial da Água, 22 de março de 2018, a ISP e as suas filiadas se reuniram no Fórum Alternativo Mundial da Água, em Brasília, para trabalhar com os sindicatos e com as comunidades que lutam por justiça social não só Brasil e na América Latina, mas ao redor do mundo.
“Nós nos unimos aos nossos colegas brasileiros para denunciar o assassinato da jovem vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e do seu motorista. Lamentavelmente, nossos inimigos também têm vontade de matar sindicalistas, ativistas ambientais e jovens lideranças políticas. Os níveis de violência vêm aumentando. Mas não vão nos silenciar, nós não vamos nos intimidar. A luta por justiça social continua, incluindo a luta por água e saneamento públicos”, disse Margarita Lopez, presidente do sindicato Sintracuavalle da Colômbia.
Já Luis Isarra, presidente da Fentap, sindicato do setor de água no Peru, lembrou ser irônico que o impulso para a privatização esteja retrocedendo. “No início desta semana (no dia 13 de março), a privatização da água de Tumbes, no Peru, foi paralisada repentinamente, com a saída das empresas após serem derrotadas. E foi o mesmo ministro de Água, Carlos Bruce, diante do qual já havíamos denunciado a privatização de Tumbes 12 anos atrás, que anunciou o retorno do serviço à adminstração pública.”
Edson Aparecido da Silva, da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), por sua vez, diz que “o Brasil tem ido contra essa tendência: enquanto o mundo devolve os serviços hídricos à propriedade e gestão públicas, o Brasil de Temer está privatizando o mais rápido possível. Nosso sindicato, FNU, está travando uma valente batalha em todas as comunidades para conscientizar as pessoas quanto a essas ameaças e para pressionar por um maior controle social dos serviços públicos de distribuição. Nos encontramos em um contexto político muito difícil, em que o controle das empresas aumenta em todos os níveis, incluindo na ONU; em que a crescente desigualdade está criando movimentos políticos tóxicos que pretendem dividir e excluir; em que os governos têm fechado espaços de livre expressão. Mas o nosso movimento por justiça hídrica é construído no local de trabalho e nas comunidades, com muitas vozes para serem silenciadas”.
David Boys também falará no “comercial” Fórum Mundial da Água para denunciar a privatização e a mercantilização dos serviços e recursos hídricos.
Segundo Boys, “os responsáveis políticos têm de pensar fora da chave corporativa e atender o que, de verdade, necessitam os nossos membros e as nossas famílias. Não queremos que a nossa água nem outros serviços públicos sejam administrados para o benefício de uns poucos. Essa loucura de privatização tem de parar. Uma das medidas que podemos tomar passa por construir um sistema tribuitário internacional para que os ricos e as grandes empresas paguem os seus devidos impostos aos cofres públicos. Outro passo é remover os seviços públicos dos tratados de livre comércio. E exigir que nossos representantes eleitos e os seus nomeados públicos rendam contas para garantir que cumpram as suas obrigações, seja na questão da água e do saneamento, na saúde e nos serviços sociais, no transporte, na justiça...”
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